Jackson Michael de Castro e Silva tem dezessete anos, nasceu em janeiro de 1991, sendo filho de pai e mãe juntos e morador do Irajá, um bairro classe média não tão pobre como outros da região, na baixada fluminense.
Negro estilo Bronx de cor bem homogênea e escura, alto, magro (mas não esquelético), bem vestido, o rapaz poderia ganhar um belo ‘parabéns’ numa baladinha high society. Poderia bem se aproveitar do lado bom da beleza estética para mudar seu padrão de vida, mas, pelo menos no próximo mês Jackson não dará sequencia a isso. Nem a nada mais.
A escola foi interrompida antes da conclusão do Ensino Fundamental, dentre suas companhias, a de uma garota não identificada, grávida, não se sabe se ela tem ou não uma relação com Jackson e se ele pode ou não ser pai do filho dela. Aliás, não se sabe nem se ela realmente está gestante.
Nossas vidas se cruzaram na Avenida Presidente Antonio Carlos com a Rua Nilo Peçanha no centro do Rio de Janeiro num inicio de tarde de domingo quando eu caminhava em direção ao Centro Cultural Banco do Brasil na Avenida 1º. de Março a um quarteirão dali. Fui abordada de forma surpreendente: eu saindo da Maison de France e ele provavelmente tendo acabado de atravessar a Avenida em frente ao Tribunal de Justiça.
“Passa a bolsa!” – disse ele segurando meu pulso e puxando a bolsa do meu ombro direito por baixo do meu braço que a travava.
A bolsa que eu ganhei da Lucia e é da 32ª. Mostra de Cinema eu não larguei um segundo sequer. “Passa a bolsa, solta! Solta!” ele falava e eu retrucava: “Que solta a bolsa o quê, moleque!” e ele insistia: “Encosta aí! Eu to armado, eu tenho uma pistola aqui!”
Não sei o que acontece comigo nessas horas. Sei que a indicação máxima e geral é: entrega tudo! Mas, acho que é instinto ou genética (porque minha mãe faz a mesma coisa) que imediatamente olhei para as mãos de Jackson e ambas estavam livres. Dei uma olhada geral na cintura e nenhum volume. Tive vontade de brincar com a palavra ‘pistola’, juro, mas me contive e disse: “Que tá armado o quê, moleque!” e ao repuxar minha bolsa, ele me rodopiou.
Como num cabo de guerra, no meio deste ‘rodopio’ vi de canto de olho um segurança inerte na porta do edifício garagem, na esquina de onde tudo ocorria e pensei gritar. Soltei um “Eiiii” e imediatamente surgiu uma carioca do estilo ‘marrenta’ me mostrando a palma de sua mão: ‘Si tu gritá ti encho di porrada!’, ‘Quebro a tua cara branquinha!’ e eu falei então: ‘Ok, deixa eu pegar meus documentos, deixa eu pegar meus documentos!’.
Foi neste momento que ela (então já era ela quem segurava a bolsa, Jackson só observava e me intimidava) relaxou um mínimo, ou, se distraiu com o barulho de sirene que eu também ouvi e então puxei minha bolsa retomando-a para mim e sai correndo atravessando a Avenida. Graças que não fui atropelada.
Corri para a viatura que caiu do céu e disse aos policiais que já estavam descendo do carro com arma em punho: ‘Corre! Ali! Aqueles dois ali tentaram me assaltar!’ e imediatamente saíram correndo atrás do casal que caminhava de costas para nós calmamente tentando disfarçar. A rua estava deserta e ao perceber que estavam sendo seguidos, tentaram fugir. Pegaram primeiro ele, dois policiais o algemaram imediatamente enquanto ela gritava primeiro ‘marrenta’: ‘Tô grávida! Num mi bati!’ e em seguida se fazendo de vítima ‘Solta o meu marido moço! Ele não fez nada! A gente não fez nada!’ e virava-se para mim, que tive que ficar cara a cara com eles para dar o flagrante policial: ‘Senhora (com a cara mais coitada do mundo), a gente só foi pedir trocado, num é? Fala pra eles senhora!’ e ele, Jackson: ‘Eu fiz alguma coisa pra senhora? Eu não fiz nada pra senhora.’, quem os visse naquela situação ia me achar uma ‘carrasca’ e não duvido que racista. Com certeza diriam que é porque são pobres e negros e eu tive um ataque de peruísse.
O pior foi a cara de pau de me dizer essas coisas me olhando na cara, querendo ‘tipo’ conversar. Gente, na boa, vai tomar no cú! Vai tomar no cú! Esse bando de filho da puta que rouba e assalta (tenho certeza que tinha droga envolvida nisso) e se faz de coitado. Aí vem essa porra de merda de Direitos Humanos em cima e pra salvar os coitadinhos. De boa! Não dá pra acreditar.
Bom, fomos todos pra delegacia. 15ª. DP na Central. Foi então que descobri que Jackson é menor e sua acompanhante provavelmente não, porem, esta não quis identificar-se, estava sem documentos e tal procedimento será feito apenas amanha via impressão digital e descobrirá tudo sobre ela. Há cerca de quinze dias, o mesmo sargento que deu o flagrante a capturou na Praça XV também no centro do Rio por pequenos furtos, mas o cagão (ou cagona) da vítima preferiu como tantos outros, passar a vida com medo e pânico e não a acusou. Ela fez exatamente como procedeu comigo. Amedrontou a vitima e esta imbecil cedeu, dizendo que não se lembrava direito do que tinha acontecido. É graças a atos como esse que a sociedade está como está.
Sei que é difícil manter a cabeça fria, mas, eu sou mais uma vez a prova viva de que é a melhor forma de agir. Não foi a primeira vez que isso me aconteceu. Estejam certos que quando esses desgraçados estão realmente armados e com a arma carregada eles não brincam em serviço. Conhece: ‘Cão que late não morde’? Quem está armado já chega encostando o cano na sua cintura e aí não tem nem papo. Fato.
Jackson além de estar com as duas mãos livres vestia uma camiseta justa, onde se perceberia qualquer volume extra, sem falar nas bermudas que eram de um tecido leve sendo impossível não identificar uma pistola ali. Se ele realmente tivesse um canivete ou coisa do gênero que pudesse caber em um bolso sem fazer volume expressivo, se realmente o possuísse ele não perderia tempo em não me abordar diretamente com a arma, pois, em uma emergência, o tempo hábil para pegar um canivete ou o que quer que o valha e abri-lo e então utilizá-lo, seria muito arriscado para uma fuga da vítima. Obviamente ele não o carregaria aberto correndo o risco de ferir a si próprio.
Fiquei um pouco angustiada quando vi a garota chegando, pois essa carregava uma ‘sacolinha de supermercado’, onde, ali sim poderia haver alguma arma mais perigosa. Ou de fogo ou simplesmente pedras que fossem atiradas ou utilizar a sacola para me ‘encher de porrada’ como ela mesma falou.
Contei com o fator ‘papai do céu’ e ‘sorte’ claro. Se a viatura não tivesse chegado, eu ia ter que correr muito mais para fugir deles.
Depois da descoberta da menor idade do autor, fomos todos em viaturas separadas à Delegacia especializada em adolescentes. Foi onde descobri o nome dele e vi sua ficha criminal de cinco páginas e um detalhe que me chamou atenção: Estado Civil – Desquitado. Aos dezessete anos. Jackson não era novato ali. Vai completar dezoito anos na prisão de menores e será transferido para a penitenciaria por pelo menos dois meses (já que sua pena mínima será de três meses devido seu triste histórico). Ele irá para audiência em uma semana.
A outra garota, a que se diz grávida, vai fazer exames e amanhã ficará atestado se está realmente grávida, qual seu nome e sua real idade. Provavelmente Jackson não é o pai e provavelmente eles sequer são amigos. Era tudo um negocio. Eles acreditavam que eu era ‘gringa’. Outra quase certeza é que ela é maior de idade e, para escapar da penitenciaria mentiu.
O triste é que se ela realmente estiver mentindo, nada será agravado, o juiz considera pela lei ‘legitima defesa’. Ela pode mentir para tentar se defender. É isso que o Estado ensina: mentir não tem problema.
Agora, o mais triste foi a hora que fui dispensada. Estavam telefonando para os pais de Jackson. Eles iam ser chamados na Delegacia para saber que o filho está preso. Mais uma vez. No entanto, acho difícil um pai e uma mãe se acostumarem com esse tipo de noticia.
(escrito - 08 de dezembro de 2008)